“Para São Marcelino Champagnat, Deus era o centro, era tudo, e via em Maria o rosto materno de Deus”. A reflexão é do Irmão Lauro Darós, que hoje compartilhamos na íntegra. Confira abaixo:

Champagnat: um herói de verdade

Não é possível situar Deus em primeiro lugar na vida, simplesmente porque Ele não se prende a uma escala de valor. Não se pode dizer: em minha vida, primeiro Deus, depois a família, ou a empresa, ou os estudos. Não, Deus está no centro de tudo: da vida, da família, da empresa, dos estudos. Do que se é, do que se possui, do que se sonha, Deus é o centro, não o primeiro. Para São Marcelino Champagnat, Deus era o centro, era tudo, e via em Maria o rosto materno de Deus.

A visão de Deus no centro de tudo possibilitou ao Fundador uma espiritualidade encarnada. A intimidade com o Criador o enchia de amor pela criação. A intimidade com o rosto materno de Deus – a Boa Mãe – o enchia de ternura pelas pessoas. Amor e ternura não apenas no plano metafísico, mas aterrissados no cotidiano para dar respostas concretas à realidade.

Ser de Deus e ser das pessoas

Champagnat se tornou santo porque sabia ser do Céu e ser da terra, sem dicotomia. Não era um ser humano apegado ao Céu e esquecido da terra. Para ele, era lógico e coerente ser de Deus e ser das pessoas. Era lógico e coerente elevar o pensamento ao Céu e agir na terra. Sua relação com Deus e a Boa Mãe se traduziam na estética das relações humanas. Seu jeito de ser se traduzia em bondade, em ternura, em simplicidade, em alegria e nas demais virtudes da Boa Mãe.

São Marcelino Champagnat, embora marcado pelo sofrimento, vindo das pessoas de sua convivência e das circunstâncias sociais, manteve até o fim o caráter alegre, firme, corajoso, amável. A centralidade em Deus e a confiança na Boa Mãe conferiram-lhe uma espiritualidade sadia.

Champagnat: um homem à frente do seu tempo

Fala-se, com orgulho – e com justiça – que Champagnat foi um homem à frente do seu tempo. O que o diferenciava era o sonho, um ser humano contextualizado, com o olhar no horizonte. Como o Fundador, Irmãos e Leigos, juntos, em torno da mesma mesa, percebamos que a missão marista não tem fim em si mesma, mas está a serviço de um sonho: tornar a vida e o Planeta imagem e semelhança de Deus.

No Evangelho de São João (21, 25) está escrito: “Jesus fez ainda muitas outras coisas. Se fossem escritas, uma por uma, penso que não caberiam no mundo os livros que seriam escritos”. Também São Marcelino Champagnat fez ainda muitas outras coisas e teve ainda muitos outros sofrimentos. Se tudo fosse escrito, incontáveis seriam os livros. O que se diz a seguir está aquém do todo; porém, o suficiente para entender a grandiosidade e a santidade do Fundador.

Confiança em Deus para jamais desanimar

São Marcelino Champagnat realizou seu sonho em meio a grandes e variados sofrimentos.  As turbulências da Revolução Francesa e os obstáculos do relevo irregular da região prepararam-no e fortaleceram-no interiormente para enfrentar as dificuldades, desde as causadas pela situação social e econômica da época até as originadas da fraqueza e limitação das pessoas que faziam parte de suas relações. A respeito dos sofrimentos do Fundador, Costa assim se expressa: “Não pensem que todos compreendiam o trabalho do Pe. Champagnat. Houve perseguições, suspeitas, relatórios, denuncias, abandono. Para muitos ele era apenas um orgulhoso que só trabalhava pelo simples prazer de ser chamado de Fundador. Para uns, era um louco. Para outros, era um ambicioso que, sem dinheiro nem talento, queria fundar uma Congregação Religiosa. Apesar dos sofrimentos, Champagnat jamais perdeu a confiança em Deus. Nunca desanimou”.

Contudo, Champagnat não sofria da visão. Seu olhar era nítido como o girassol e via tudo com os olhos de Deus e da Boa Mãe. Por isso, em vez de lançar pedras aos que o faziam sofrer, ofereceu-lhes um caráter invejável, como escreve Irmão João Batista Furet, “Tinha espírito de retidão, discernimento seguro e profundo, coração bom e sensível, sentimentos nobres e elevados. Era de caráter alegre, expansivo, franco, firme, corajoso, ardoroso, constante e equânime”. 

O melhor vinho se faz da vinha que cresce em solos íngremes, pedregosos, áridos. As parreiras quase não produzem folhas, mas os frutos oferecem doçura, porque toda a substância retirada do solo árduo e da luz solar é voltada para a qualidade da uva, e o resultado é um vinho excelente. São Marcelino Champagnat se fez em meio a grandes sofrimentos. Era um ser humano doce e terno, do jeito da Boa Mãe. Foi pela vivência das três Violetas e das Pequenas Virtudes e pelo exemplo de bondade e ternura que ele herdou ao Instituto Marista a espiritualidade mariana.

Um triturador de rochas

O Fundador pode ser comparado à flor de nome saxifrage. Saxifrage significa “britador de rochas”, flor cujas raízes se solidificam nas pedras. O saxifrage não aceita as limitações da rocha, supera a arduidade e é a primeira flor que desponta na primavera. Ao considerar os imensos sofrimentos do fundador, parece difícil acreditar que o sonho se fez, mas Champagnat, solidificado em Deus e na Boa Mãe, aceitou o desafio, não se entregou, venceu todas as dificuldades e herdou à humanidade o Instituto Marista.

Ele foi um “triturador de rochas”, no sentido literal e no sentido figurado. Com sua energia, segurança e confiança, não só triturou as imensas pedreiras de l’Hermitage para construir a casa dos Irmãos, mas também triturou as imensas provações para edificar e perpetuar o Instituto Marista.

Felizmente, a vida de Champagnat no lar, pelo que consta, transcorreu normal, recebeu da família amor e bons valores para toda a vida. Já trazia na essência o combustível de que precisava para ser um ser humano de bom caráter e um homem de Deus. Não precisou gastar tempo e energia durante a vida tentando preencher o terrível vazio de uma infância infeliz nem precisou mendigar afeto.  Assim pôde dispensar ao sonho todo o seu tempo, suas energias, seu entusiasmo, sua alegria. Assim pôde amar a Deus e as pessoas de todo o coração.

A saúde emocional e espiritual que já trazia do lar foram essenciais para que o Fundador se dedicasse inteiramente a Deus, às pessoas e ao Instituto Marista. Quando se traz na essência o amor, a autoestima, a segurança, a alegria, é mais tranquilo abrir-se à graça de Deus e enfrentar todas as provas da vida, para amar e para fazer o bem.

A família como exemplo

O Fundador recebeu da família bons exemplos. Irmão João Batista Furet escreve que “o pai era homem muito sensato e instruído. Pela prudência e caráter conciliador, conquistou a estima de todos os habitantes da paróquia. Servia-lhes de árbitro nas eventuais desavenças; todos respeitavam suas decisões, e sua honestidade era por demais conhecida”.

A mãe tinha afeição pelos filhos, especialmente por Marcelino, que era caçula. Além disso, ela, junto com o marido, soube dirigir o coração dos filhos para Deus e para a Boa Mãe. Segundo Irmão João Batista Furet, a mãe era “de caráter firme, dirigia a casa com sábio espírito de economia e ordem perfeita. À sólida piedade unia todas as virtudes de esposa fiel e mãe excelente. Os cuidados da casa e a educação dos filhos era a sua única ocupação. (…) Não satisfeita com educar os filhos na piedade, orientá-los e orientá-los à prática da religião, aplicava-se também a corrigir os defeitos, formar-lhes o caráter, incutir-lhes as virtudes sociais e as boas maneiras, tão necessárias à paz das famílias e à felicidade social”.

Os problemas que o Fundador enfrentou não eram “moinhos de vento”, eram situações bem reais, e sua segurança interior, vinda de sua origem sadia e da confiança em Deus e na Boa Mãe, proporcionou-lhe a vitória sobre todas as dificuldades e a realização do sonho – a edificação do Instituto Marista.

Irmão Lauro Darós