Para nos ajudar na vivência pascal em tempos de pandemia, o Irmão José Sotero dos Santos Neto, Coordenador de Pastoral do Colégio Marista de Patos de Minas da Província Marista Brasil Centro-Norte, traz um texto sobre uma experiência formativa do nosso fundador, São Marcelino Champagnat. A chamada catequese da maçã é uma oportunidade para bebermos na fonte do carisma marista e saciarmos nossa sede de esperança.

O texto, originalmente publicado no site do Instituto Marista, segue abaixo na íntegra:

A catequese da maçã

A catequese ocupa, no Instituto dos Irmãos Maristas, desde sua gênese um lugar especial. A dedicação do Pe. Champagnat à catequese marcou a vida e missão dos primeiros Irmãos Maristas. A iniciativa do Pe. Champagnat nos instiga sobre como atualizar a proposta catequética na atualidade, a fim de efetivar no chão de nossa realidade um itinerário de educação na fé que responda aos apelos atuais.

O Pe. Champagat em diversos momentos de sua vida – férias em visita aos familiares, no apostolado em La Valla ou nas viagens que realizava – aproveitava das oportunidades que surgiam para realizar uma boa catequese, fazendo Jesus Cristo conhecido e amado entre os seus interlocutores.

Sendo assim, para bebermos da fonte marista, iremos conhecer e aprofundar sobre um exemplo que revela o jeito próprio do Pe. Champagnat em realizar a sua prática catequética.

Eis, a seguir, em tradução livre, o texto original do Frère Avit:

“Colocamos aqui o testemunho de Jean-Baptiste Epalle, que era um dos ouvintes do piedoso catequista, menino que se tornou, depois, sacerdote marista, bispo missionário e que foi massacrado pelos indígenas selvagens da Oceania. O Bispo Epalle gostava de testemunhar que devia a sua vocação ao Pe. Champagnat. Eis como ele contava sua experiência: Durante as férias, Champagnat, como seminarista maior, reunia as crianças da sua aldeia para lhes dar catecismo.

Um dia, querendo tornar a aula mais interessante, imaginou dar às crianças umas noções de geografia, atraindo-lhes a atenção com uma grande maçã vermelha. – “Imaginem, dizia ele, que a terra é uma grande bola, mais ou menos arredondada como esta maçã. Os homens habitam a superfície da terra, assim como se ao redor desta maçã estivessem insetos quase invisíveis. Se pudéssemos furar a terra até o outro lado, assim como se pode furar esta maçã, no lado oposto de onde habitamos encontraríamos homens como nós, mas infelizes, porque não conhecem o bom Deus, porque vivem como selvagens, porque se comem uns aos outros. Chamamos de missionários aqueles que, por amor ao bom Deus, deixam a sua família e a sua pátria para ir a esses povos, para lhes dar o catecismo, para que sejam bons cristãos”.

E para que compreendessem bem a lição e a gravassem na memória, Champagnat partiu a maçã e deu um pedaço a cada um” (Annales de l´Institut, Frère Avit, Publications de la Maison Généralice, Rome, 1993).

O texto comunica a metodologia vivencial do Pe. Champagnat para encantar e conduzir as crianças ao mistério por meio de sua didática. Para facilitar a aprendizagem do conteúdo catequético, Pe. Champagnat – o catequista – faz uso do simbolismo e dos conhecimentos prévios dos interlocutores. Em seguida, ele transmite com segurança e entusiasmo a Revelação, que vigorava na Igreja da época. É interessante observar que o Pe. Champagnat apresenta a catequese como meio de conhecimento e vivência do amor de Deus pelos seres humanos. A catequese, conduzida pelos missionários, tinha a missão de humanizar às pessoas, tornando-as felizes, sensíveis à ternura divina e bondosos cristãos.

A prática evangelizadora do Pe.Champagnat e dos seus primeiros discípulos revela a abrangência do projeto comum da educação cristã, com a aprendizagem de conhecimentos científicos (a instrução primária) e a instrução religiosa (o catecismo, as orações e a formação à piedade e à virtude). Os dois âmbitos do projeto ao conservar a dinâmica e as características próprias, devem interagir e colaborarem mutuamente na construção da pessoa humana de maneira integral, segundo Jesus Cristo.

Por sua vez, as disciplinas além de servirem como “marketing” para atrair as famílias e as crianças, deveriam oferecer “terminais” de ligação para o aspecto religioso, com oportunidades na transmissão da mensagem religiosa. Atualmente denominamos essa dica pedagógica do Pe.Champagnat por interdisciplinaridade (NETO, José Sotero dos Santos. Disponível aqui).

Atualmente, fazendo uso do método do Pe. Champagnat, se pegarmos também uma maçã para conversar com as crianças num encontro catequético, visualizaremos uma terra tomada por completo de “insetos”, totalmente invisíveis. Estes, por sua vez, estão adoecendo a terra, fazendo-a sua refém e modificando de maneira integral a sua dinâmica de vida e costumes. Independente de credo, raça ou status social e econômico, os seres humanos estão infelizes, com medo e isolados socialmente, numa possível “selvageria” ao contrário.

De igual modo, a passagem de um lado para o outro da maçã, nos remete a festa da Páscoa. Esta é a passagem da morte para a vida nova, o início do mundo novo: o mundo finalmente aberto ao Reino de Deus, Reino de amor, paz e fraternidade. No caso da maçã, é a travessia para um espaço de esperança, dinamizado pela cultura do bem-viver. Por fim, que o exemplo citado, iluminado pela metáfora pascal nos “encharque” com o dom da esperança nova, viva, que vem de Deus. Que o caminho, a travessia, sejam meios para um horizonte de fraternidade e empatia.

A experiência vivenciada pelo Pe. Champagnat, no texto em análise, evidencia a importância do caminho para que a catequese atinja o seu objetivo. É uma catequese do caminho, que vai ao encontro das pessoas, de suas necessidades, angústias e esperanças. O caminho deve ser rico de sentido e com intencionalidade catequética.

Ademais, o Pe. Champagnat ainda nos instiga quanto ao fruto escolhido como referência para a sua catequese. A maçã que ainda hoje é cultuada como fruto proibido, do pecado original, dentre outras crendices; foi apresentada em nosso relato como símbolo da alegria e encanto das crianças por estarem reunidas, de conhecimento do mundo novo a ser descoberto, curiosidade sadia e produtiva a ser explorada, busca e descoberta do amor de Deus, sobretudo, sinal de partilha e memória de aprendizado. Assim, Pe. Champagnat, o catequista, inaugura novos tempos e sentidos também para a maçã.

Por outro lado, a terra permanece “gemendo como em dores de parto”, ansiando por ser salva da fúria silenciosa desses insetos. Contudo, o clamor e o sonho do Pe. Champagnat permanecem vivos e atualizados: precisamos de catequistas e missionários que revelem a presença amorosa de Deus entre nós, que façam eco da Palavra consoladora e revigorante em meio aos seres humanos. Homens e mulheres, catequistas/missionários, revestidos pela ternura divina e desbravadores de um mundo novo. Que partamos a maçã e a partilhemos uns para com os outros, a fim de que seja memorizada em nossas entranhas a lição do amor revelado a cada um de nós.