Em 2020, a campanha de Páscoa da Província Marista Brasil Centro-Sul tem como foco a passagem: “Ele passou pelo mundo fazendo o bem” (Atos 10, 38). E é ilustrada pela obra do artista artista sacro Romolo Picoli Ronchetti, que retrata os pés de Jesus ressuscitado seguido por dois discípulos carregando seus cajados. Confira a mensagem do Ir. Benê Oliveira, Superior Provincial, para esta data:

Mensagem de Páscoa do Superior Provincial

 

Maristas de Champagnat,

Selo do Vaticano para Páscoa 2020

Selo do Vaticano para Páscoa 2020

Há um ditado popular que afirma: “A festa vale pela preparação”. E para nós, cristãos católicos, a quaresma é o tempo de preparação para a festa das festas, a Páscoa, centro da nossa fé cristã. E não pode ser apenas exteriormente, pois a vida precisa ser despertada para o essencial, para uma mobilização interior em direção ao Absoluto e Único Necessário.

“Nada do que é humano é indiferente à fé”, afirmou Terêncio (185 aC – 159 aC), poeta romano. A vida é sempre cheia de surpresas, de imprevistos, e eis que um adicional de dificuldade assaltou a humanidade com a inesperada pandemia do coronavírus, obrigando-nos ao recolhimento em quarentena. Sem preparação alguma, estamos vivendo um tempo de muita precariedade e de provisoriedade radical. Percebemos que o refúgio em práticas religiosas não é garantia para a solução dessa situação, mas a itinerância e o nomadismo interior, capazes de iluminar e fortalecer nossa fé, nos levam ao encontro e ao socorro do Senhor, neste período de quaresma e de quarentena do Covid-19 – paixão e morte da humanidade ferida, conectada à de Jesus. 

Na Semana Santa, a realidade do medo percorre a narrativa da Paixão de Jesus. Deus está presente e dentro da história; Ele é o crucificado. Com Ele, coroado de espinho, estamos vivendo uma Semana Santa/2020 diferente, com o coronavírus cravado na cabeça da humanidade e os pregos cravados em nossas mãos e pés a nos fixar em casa pela condição imposta dos isolamentos laboral e social, como que nos obrigando a um retiro compulsório: voltamo-nos para dentro de casa e de nós mesmos, abandonando o trabalho, os estudos, as atividades rotineiras, as agendas e viagens programadas, mantendo distância dos familiares, amigos, companheiros de caminhada, etc. Mas, seguramente, estamos resgatando e ressignificando o diálogo, o convívio familiar, a vida fraterna em comunidade, o cuidado, a limpeza e higienização da casa, etc. Alegremo-nos e cuidemos uns dos outros. Com o tempo e o prolongamento da quarentena, será que a afirmação do filósofo Sartre: “O inferno são os outros”, não bate à porta de nossos sentimentos e de nossa vivência? 

O bonito e edificante tem sido conhecer e valorizar as mobilizações humanitárias, solidárias e anônimas: pessoas que se colocam à disposição dos vizinhos ou dos moradores vulneráveis da cidade, fazendo compras por eles ou levando donativos, sem nada cobrar; aquelas que telefonam para os idosos isolados por não terem com quem conversar; o advogado que vai de carro, todas as manhãs, buscar a cozinheira na periferia, e levá-la de volta à tarde, para evitar que ela use o transporte coletivo; os vizinhos dos hospitais que preparam lanches para médicos e enfermeiros que dobram a carga horária de trabalho; as Igrejas que abrem suas portas aos moradores de rua e lhes proporcionam cuidados higiênicos e comida, etc.  Enfim, são inúmeros os exemplos de generosidade e solidariedade nesse período em que estamos todos potencialmente fragilizados e ameaçados. “A verdadeira solidariedade começa onde não se espera nada em troca”, afirmou Antoine de Saint Exupéry, no “Pequeno Príncipe”, pois “solidariedade – amigos – não se agradece, comemora-se”, testemunhou +Betinho, sociólogo e grande transformador social brasileiro. No fundo, esses gestos têm sua fonte na mística do bem-viver, na espiritualidade, na força e no poder da interioridade. Se cultivarmos a vida de união com Deus, pela oração, nos sentiremos mais fortes, mais cuidadores, mais amorosos, mais humanos. Seguramente, o recolhimento decorrente da pandemia nos oportuniza aprendizados, novas posturas e atitudes diante da realidade, da vida, da fé, da nossa vocação e missão. 

Destaco a atuação do querido Papa Francisco, de quem temos recebido forte inspiração para interpretar esse tempo de passagem e de travessia ancorados na fé, na esperança, na coragem, no amor solidário. Na exortação apostólica “A Alegria do Evangelho”, ele já nos alertou que “o tempo é superior ao espaço”, que “a unidade prevalece sobre o conflito”, que “a realidade é mais importante do que a ideia”, que “o todo é superior à parte”, e nos convidou à “paixão pelo outro” por meio da “ecologia do cotidiano”, para fazer a diferença e contrariar a desesperança, mesmo que a portas fechadas, para assistir o triunfo da esperança sobre a previsibilidade. Emocionou toda a humanidade a atitude do Papa Francisco, no dia 27 de março, sexta-feira, quando saiu do vazio e chegou até a imagem do Cristo (do crucifixo milagroso, trazido da Igreja de São Marcello). Ali, com a praça deserta, na Basílica de São Pedro, nos abraçou com a sua paternal bondade e com a força de sua oração. Seguramente, interpelados pela presença de Deus no contexto da atual pandemia, jamais esqueceremos ou apagaremos do coração esse gesto memorável de amor e de consolo do nosso querido pastor. Neste momento difícil, crítico, austero, há uma coisa que sentimos e que está no centro da experiência e do ensinamento de Jesus: toda vez que abraçamos os vazios da fé e nos “infectamos” de humanidade, eles se tornam lugares de revelação de Deus. 

Prezados Irmãos, Maristas de Champagnat, o Tríduo Pascal é o memorial de um drama de amor que nos dá a certeza de que nunca seremos abandonados na provação, no sofrimento e no luto. Acreditar no Ressuscitado é acreditar que o coronavírus não têm a última palavra e que somente o Divino Redentor é o Senhor da vida e da morte. Acreditar no Ressuscitado é acreditar que Jesus está vivo e atuante no mundo, frente ao incerto e ao desconhecido dessa pandemia, impulsionando a vida em direção ao seu destino final e libertando a humanidade do caos. 

Desejo a todos uma Páscoa–Ressurreição–Vida Nova, ressuscitada no amor, na paz e na fraternidade.

Ir. Benê Oliveira
Superior Provincial

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